sábado, 4 de maio de 2013

O tempo, a sinestesia e o fator histórico em Benjamim de Chico Buarque

O tempo, a sinestesia e o fator histórico em Benjamim de Chico Buarque



Benjamim é o segundo romance de Chico Buarque e foi publicado em 1995. Quando comecei a leitura do livro, tive a sensação de estar diante de um filme que se inicia na última cena, onde a personagem principal, Benjamim Zambraia se encontra diante de um pelotão de fuzilamento. A partir desse momento ele é transportado no tempo através das suas lembranças, fazendo a iniciação de toda sua trajetória de vida até chegar ao momento atual. Chico Buarque usa o que a Literatura chama de In Media Res, expressão latina retirada da Arte da Poética de Horácio, ou seja, iniciar sua narrativa pelo meio da ação ou pelo momento crucial. Os acontecimentos que são omitidos no início da ação são retomados através do flash-back ou analepse, que significa interromper uma sequência cronológica mudando o plano temporal, tal como acontece em alguns filmes.
A narrativa criada por Buarque é dividida entre o ato de narra e o visual. A personagem que era um ex-modelo fotográfico adquire na adolescência uma “câmera invisível” para registra seus acontecimentos e posteriormente usá-los para recuperar suas lembranças. Sua narrativa é construída com imagens, apesar de não depender apenas delas. Essa formar de escrever combinando dois sentidos nos remete a sinestesia, figura de estilo que reuni sensações distintas. O romance “gira” em torno da temática Tempo, sendo abordado através da representação da Pedra do Elefante, da rotina da personagem Ariela Masé e da desordem cronológica vivida por Benjamim.  
Primeiro Benjamim faz uma comparação entre o tempo de vida de um ser humano com a existência da Pedra: “Benjamim estava certo de que, por mais que vivesse, jamais detectaria a mínima transformação na Pedra, pois no relógio das pedras a longevidade humana não conta um segundo”. (p.53). Ao longo dos tempos, a “Pedra” presenciou várias civilizações e Benjamim prefere viver de frente para ela ao invés de olhar a sociedade. Já a personagem Ariela Masé, não precisa de relógio por ter noção exata das horas. Porém, no dia em que ela usa um relógio de pulso e resolve tomar um caminho diferente, tudo foge do seu controle: “o relógio mental de Ariela soltou-se o tempo: em sua engrenagem teria se quebrado alguma peça, talvez a ruela chamada rotina” (p. 122). Sabemos que a rotina nos faz ordenar o nosso tempo, isso acontece porque os nossos sentidos se adaptam a força do hábito. E por fim, Benjamim busca no presente o resgate do passado através da personagem Ariela, além concluir que por causa disso seu futuro pode estar preso ou como ele mesmo diz “amarrado”.
O regime militar aparece como representação do fator histórico. A personagem Castana Beatriz, antiga namorada que Benjamim teve na década de sessenta, após abandoná-lo se envolve com um militante político de esquerda e posteriormente são mortos pelos ditadores na repressão do Estado. A ironia é que o esconderijo deles é descoberto porque Benjamim que também estava sendo investigado por seu envolvimento com Castana. Como ele tinha uma fixação por ela, vivia tentando descobrir onde ela estava com seu novo amante. Numa dessas perseguições ele finalmente a encontra e por esta sendo seguido acaba sem querer delatando o esconderijo para polícia. E é essa mesma fixação que leva Benjamim a morte. Alguns anos depois, ele encontra Ariela Masé e por ela ser tão parecida com Castana começa a deduzir que talvez ela fosse filha dela, mas, no decorrer do romance acaba se apaixonando pela jovem. Essa obsessão o coloca diante de um pelotão de fuzilamento contratado pelo namorado de Ariela, o ex-policial Jeovan. O detalhe é que Benjamin morre no mesmo local que morreu Castana Beatriz, novamente o tempo fica em evidência. Passado, presente e futuro misturam-se mostrando a única certeza humana, a morte.


Referências
BUARQUE, Chico. Benjamim. São Paulo: Companhia das Letras,2004.
PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literária. Rio de Janeiro, Presença, 1981, p. 103.
Horácio, Arte Poética. Lisboa, 1984.

Estudo concluído por Priscila no dia: 04/05/13 para apresentação de seminário na disciplina Literatura Brasileira Contemporânea.




6 comentários:

  1. Um excelente e profundo estudo. Tal que, a vontade de ler já toma conta do meu ser.
    Parabéns pelo belo prefácio.
    Carlos

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  2. Falando em temporalidade, seu estudo fez-me voltar a 1995, quando recebemos com a ansiedade peculiar de quem espera o próximo, esse romance do Chico. Sobre o romance em si, talvez nem mesmo com uma releitura hoje eu poderia comentá-lo melhor que voce, então falo daqueles tempos, em que a arte e a intectualidade haviam perdido seu eixo de um período, uma era, uma (muitas) vida, que foi a ditadura. Poucos conseguiram produzir algo com o estilo e a profundidade que exigem a grande arte, e Chico foi destaque entre estes poucos, ao mudar sua forma de expressão, sem mudar a qualidade e pertinência de sua obra. Parabéns por trazê-la à tona novamente.
    Carlos

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    1. Obrigada Carlos Moraes, eu realmente adorei a leitura do livro Benjamin. O bom de ser da área das Letras é que eu posso estudar muito sobre assuntos afins. E paralelo aos meus estudos linguísticos, literários e gramaticais, eu sempre estudo sobre a história, sociologia, filosofia e geografia. Isso acaba me ajudando nas análises literárias. Valeu pelo comentário!

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  3. Muito interessante sua postagem Pri. Confesso que depois de lê-la fiquei com uma baita vontade de ter em mãos esse livro! Através da análise, ou melhor,da parte em que vc retrata o tempo, quando você diz: "novamente o tempo fica em evidência. Passado, presente e futuro misturam-se mostrando a única certeza humana, a morte", pude remeter este tempo à noção heideggeriana do ser em relação ao próprio tempo, vista de uma perspectiva mais existencial. Pode ser que esteja enganada, mas quem sabe de repente não poderíamos tratar futuramente desta hipótese. Na dúvida, só lendo o "Benjamin" para confirmar. No mais, seu texto está ótimo, parabéns!

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  4. Obrigada Jennifer! Adorei a tua ideia sobre o tempo dentro de uma abordagem existencial. Benjamim foi uma leitura que despertou um sentimento diferente em mim...aprendi a gostar do livro lentamente...e no decorrer da leitura, quando fui assimilando com as questões que o professor Neres tanto nos fala em sala de aula, eu passei a ficar mais curiosa com o processo e acabei me surpreendendo. Beijos!

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